ROBÔ SELVAGEM (2024)
O filme confia tanto em seu impacto emocional que não se preocupa em nos comover ainda na metade da trama
Uma das maiores surpresas do ano. Robô Selvagem é uma adaptação da série de livros de mesmo nome, de Peter Brown. O filme chega de forma discreta ao conhecimento do público, mas com grande potencial de se tornar um dos melhores do ano, e certamente conquistará quem assistir.
Chris Sanders e sua equipe já nos presentearam com animações que marcaram nossa memória afetiva, como Lilo e Stitch, em parceria com a Disney, e Como Treinar O Seu Dragão, com a DreamWorks. Sanders parece ser um diretor que sabe se adaptar aos tempos. Em Os Croods, uma animação que, apesar de não ter sido tão bem-sucedida, já trazia temas mais adultos com uma roupagem infantil, ele já começava a abordar o pertencimento (ao menos, é o que lembro do filme). Desde Os Croods, Sanders se afastou das animações, mas agora, 11 anos depois, ele retorna com o mesmo direcionamento, só que desta vez parece muito mais inspirado, o que reflete em uma obra linda em muitos aspectos.
A história se passa em um mundo distópico, onde a humanidade desenvolveu robôs programados para realizar e auxiliar nas tarefas cotidianas, conhecidos como "robôs ajudantes". A robô ROZZUM 7134, ou simplesmente "Roz", naufraga em uma ilha desabitada por humanos. Para se adaptar ao ambiente hostil, ela precisa aprender com os animais nativos. Aos poucos, Roz constrói relacionamentos com esses animais, aprendendo a língua que eles falam. Durante sua jornada, ela adota um filhote órfão de ganso, e, como robô ajudante, sua missão é cuidar do filhote até que ele se torne independente.
O filme coloca Roz, uma robô altamente avançada e programada para ajudar, em um ambiente onde nenhum ser vivo parece precisar de sua ajuda. Isso subverte as expectativas: em vez de ela ser uma vilã que chega à ilha para tomar o controle, como seria comum em outras histórias, Roz sofre constantemente por ser rejeitada e não pertencer ao ambiente. Inicialmente, ela não sabe que seu caminho foi desviado, e acredita que está ali para cumprir suas tarefas, não importando a quem. Como uma robô inteligente, Roz entende o que deve fazer. Mas o que nem ela, nem nós, esperávamos é que, mesmo programada para uma única finalidade, incapaz de sentimentos ou questões morais, Roz acabaria encontrando sua própria humanidade ao cuidar do filhotinho de ganso e ao criar laços com uma raposa. Aos poucos, ela descobre e valoriza as riquezas da vida e da natureza, e aprende o que é o amor, a amizade, a generosidade e o pertencimento. Essa é uma das sacadas mais surpreendentes do filme: nos fazer criar empatia por uma robô, ao ponto de desejarmos que ela seja feliz e que as diferenças se conectem.
Quando o filme avança nas questões maternais, ele se destaca ainda mais. Assim como na vida, os dilemas de Roz e Bico-Vivo (o ganso que sobreviveu e cresceu) giram em torno de encontrar seu lugar no mundo. A dinâmica maternal entre o ganso e a robô é fortalecida pela amizade de Roz com a raposa, que desenvolve um companheirismo e afeto genuínos. Tudo isso é tratado com tanta naturalidade, sem infantilizações, que é surpreendente a forma tocante e cuidadosa com que Chris Sanders conduz a trama. O diretor sabe exatamente o que está criando, e nos emociona com uma das melhores sequências do ano: o momento em que Bico-Vivo decide partir para a sua independência.
O filme confia tanto em seu impacto emocional que não se preocupa em nos comover ainda na metade da trama, pois há muito mais a ser contado. Além de explorar o amor, Sanders também toca, ainda que de forma superficial, em temas como o impacto da humanidade na Terra, o uso da tecnologia para explorar os recursos, a escassez e o impacto ambiental que reflete nos animais. Roz nos leva não apenas a grandes aventuras, mas também a reflexões profundas que o filme oferece.
Apesar de abordar vários desses temas, nenhum deles se perde ou se sobrepõe aos outros, nem nos distrai com tantas imagens bonitas, algo que acontece com algumas animações que não conseguem equilibrar a estética e a emoção. Um dos maiores acertos do filme é que esses traços coloridos não são apenas esteticamente atraentes, mas têm algo a dizer por meio deles. A combinação de animação 2D e 3D, que nem sempre funciona, aqui é um verdadeiro acerto. Tive a oportunidade de assistir tanto em tela normal quanto em 3D, e posso dizer que emociona de ambas as formas. Esse é o verdadeiro poder do cinema: que as imagens nos toquem profundamente, despertando sentimentos genuínos. E é também isso que as animações deveriam buscar: contar uma bela história para o público infantil sem, no entanto, serem infantilizadas.
Robô Selvagem chega para mostrar e provar que é possível criar uma linda história colorida que, embora seja embalado com direcionamento ao público infantil, acaba tocando a todos, sendo ao mesmo tempo adulta, contemporânea e sensível em sua abordagem.
⭐⭐⭐⭐½